Família empresária Nishimura investe em seu capital humano, indo além dos colaboradores e desenvolvendo também suas famílias
Fundada em 1948 pelo imigrante japonês Shunji Nishimura, a fabricante de máquinas agrícolas Jacto tinha como lema ser uma empresa familiar com família forte. Nos últimos anos passou a última parte da frase para o plural: “com famílias fortes”. E a mudança no campo linguístico reflete uma ampliação da visão organizacional.
Se antes o enunciado dizia respeito à família Nishimura, agora a empresa o estende aos 3650 colaboradores e suas respectivas famílias. “Se sonhamos com uma empresa forte temos de fortalecer as pessoas que estão dentro, fortalecendo as suas famílias”, diz Jorge Nishimura, filho do fundador e presidente do conselho de administração da Jacto, corporação com sede em Pompeia, cidade no interior paulista, distante 470 km da capital.
O conceito de familiarmente responsável se traduz no cotidiano do Grupo Jacto por meio de um instituto que oferece cursos aos funcionários, seus cônjuges e filhos. O objetivo é gerar conhecimento que propicie relações harmoniosas no núcleo familiar. Os temas variam. Há os que tratam de finanças: “Como chegar ao fim do mês”, “Equilíbrio financeiro”, e “ABC do dinheiro”, este concebido para crianças de 4 a 7 anos. Existem também cursos que abordam assuntos como proteção contra as drogas na família e resolução de conflitos.
Na entrevista a seguir, Jorge Nishimura conta como surgiu o conceito de empresa familiarmente responsável e como ele se articula com os valores da família empresária.
O que é uma empresa familiarmente responsável?
Há alguns anos atrás, eu estava conversando com o nosso gerente de Recursos Humanos, perguntei o que a empresa fazia quando alguém dava sinal que estava com problemas, nos aspectos de família ou casamento, com os filhos, ou com alguma questão financeira. A resposta foi “basicamente nada”. Isso me pesou no coração. Eu e minha esposa começamos, em 1992, um projeto pessoal, por causa da nossa fé, focado no fortalecimento dos relacionamentos conjugais, chamado Universidade da Família. Era no ambiente evangélico, e nossa intenção era ajudar as famílias: restaurar ou fortalecer casamentos, relações de paternidade, problemas de finanças pessoais, fatores que podiam gerar desarmonia na família. Vimos muitos resultados positivos desse trabalho, porque estávamos ajudando pessoas no Brasil inteiro, mas não estávamos conseguindo ajudar as pessoas aqui da empresa. Então, resolvi propor esse tema com o foco: empresa familiarmente responsável, pegando um pouco do gancho que existe de empresa socialmente responsável, ambientalmente responsável, que é uma linguagem que todo mundo entende. Esse é o ponto de partida que faz a gente trabalhar a questão da harmonização da família e da sociedade.
Como foi o processo da decisão de implantar esse conceito de familiarmente responsável?
Ao mesmo tempo em que houve a conversa com o RH, ficou disponível um prédio onde funcionava uma escola profissionalizante do Senai. A partir dessa situação, expliquei a proposta para o nosso conselho que trata de temas de família e societários. Todos sentimos que era hora de ajudar as famílias dos nossos colaboradores. O conselho abraçou o projeto prontamente e decidiu implantar o instituto.
Houve algum movimento similar que serviu de inspiração?
Esse termo eu ouvi alguma pessoa usar. Depois eu pesquisei e constatei que existe em Portugal e na Espanha, mas com um foco mais voltado para o aspecto legal, de práticas no ambiente trabalho, de descanso do funcionário. Nós contemplamos o aspecto legal, mas queríamos enfatizar o lado relacional, os princípios que ajudam a família a ser mais harmoniosa. O lado prático de como resolver conflitos. Então, para nós, a ideia de empresa familiarmente responsável tem a ver com ajudar as famílias dos nossos colaboradores.
Como esse conceito se traduz na prática?
A Família Nishimura assumiu como lema “somos uma empresa familiar com uma família forte”, a ideia básica era transmitir que nós, como acionistas, tínhamos engajamento forte com os negócios. No último planejamento, dissemos para todos os nosso líderes, gerentes e diretores: “Nós somos uma empresa familiar com famílias fortes, queremos que as pessoas que trabalham aqui tenham famílias fortes”. E, para isso, nós temos de entender o que faz uma família ser forte. Como se tem princípios de vida que sejam saudáveis e sustentáveis, como se resolvem conflitos e trouxemos isso como um objetivo da nossa empresa. Porque nós queremos que a família dos nossos funcionários sejam fortes. Criamos o IDF – Instituto de Desenvolvimento Familiar Chieko Nishimura, que é o nome da minha mãe, para tratar de temas como casamento, paternidade, finanças, valores, relacionamento, liderança, vocação, um conjunto de temas para trazer ajuda aos colaboradores. Nós comunicamos o propósito de oferecer educação na área familiar e montamos alguns currículos trazidos da Universidade da Família. Deixei claro que era um trabalho feito no universo de igrejas, mas que estávamos criando o conceito de desenvolvimento familiar dentro do ambiente empresarial, fizemos essa migração. Assim criamos o IDF, no começo de 2015. Nós financiamos os cursos, que são abertos às famílias.
Independentemente da religião de cada um?
Isso. Aqui não tratamos de religião, de igreja X ou igreja Y. Nós tratamos de princípios.
Como esses cursos se integraram no cotidiano da organização?
A maior parte dos cursos acontece à noite, fora do horário de trabalho. Nós temos alguns durante o dia para atender aqueles que trabalham à noite. O instituto tem cursos de segunda à quinta-feira. São oito classes todas as noites de diversos temas. Quem faz o curso tem aula uma vez por semana.
Quais os cursos mais procurados?
Os de finanças. Mas um curso que teve uma demanda tremenda no semestre passado foi o de preparação para a chegada do bebê, e ajudou muitos pais de primeira viagem. Aliás, na área de educação de filhos, temos cursos desde a chegada do bebê, os primeiros anos até a adolescência.
Como tem sido a receptividade do começo até agora? Houve algum tipo de resistência?
No começo, não tínhamos ideia de quanto seria a adesão, mas fiquei extremamente feliz e surpreso porque logo no primeiro semestre, tivemos cerca de 350 inscritos na primeira rodada. Estamos com aproximadamente 700 pessoas. Eu tinha dúvidas se isso poderia ser fogo de palha, mas, nesses últimos anos, o número de alunos tem crescido a cada semestre. E também montamos uma estrutura, com berçário e monitores, para os pais terem onde deixar as crianças enquanto estão em aula. E em relação às aulas destinadas às crianças maiores, nós procuramos combinar com os horários das classes dos pais.
São quantos funcionários na empresa?
São cerca de 3650 funcionários, sendo mais de 3000 aqui em Pompeia.
Quais os reflexos desses cursos para os funcionários? Houve impacto no clima organizacional?
Dos cursos, nós temos muitos depoimentos e testemunhos de mudanças positivas. Nós pedimos uma avaliação de cada aluno ao final do curso. E temos mais de 90% entre bom e excelente. Vamos trabalhar para medir estes impactos, mas tenho convicção de que esses cursos se traduzem numa melhoria nas famílias e, como consequência, vamos melhorar o ambiente na empresa. Uma coisa está ligada a outra. Problemas de empresa são levados às famílias e problemas de família vão impactar a empresa.
Geralmente, as pessoas tendem a permanecer em um local onde podem se desenvolver. O senhor acha possível que esses cursos contribuam para a retenção?
Esse é um ponto interessante. Há uns 30 anos, nós tínhamos muita rotatividade na empresa. Naquela época surgiu a ideia de fazer um trabalho com os cônjuges para melhorar a retenção. Já era uma estratégia antiga. Ainda hoje, uma boa parte das pessoas sai da empresa sem querer sair. Às vezes, o sujeito está tão enrolado financeiramente que vê no dinheiro do desligamento uma forma de pagar as dívidas. À medida que nós vamos ajudando as pessoas a lidar melhor com dinheiro, com certeza isso vai impactar a questão do turnover. Outra situação é quando o funcionário se separa do cônjuge, fica desestabilizado e acaba saindo da empresa também. E todas essas ações contribuem para que tenhamos uma menor rotatividade. Além disso, nós temos aqui algumas ferramentas para ajudar a pessoa a entender a sua carreira, a sua posição. Muitas pessoas são infelizes por estarem no lugar errado. E temos uma outra ferramenta para os filhos dos funcionários que ajuda a entender a vocação deles. Muitas pessoas optam pelo direcionamento de carreira por causa do salário, pela atratividade disso ou daquilo e acabam fazendo escolhas erradas.
Quem ministra as aulas no IDF?
Nós temos cerca de 40 professores, que foram capacitados. Não são pessoas da empresa, são do próprio instituto. São selecionadas, capacitadas e avaliadas. E remuneradas, esse não é um trabalho voluntário.
De onde vêm os recursos para o IDF?
O instituto é uma organização independente. A empresa banca o custo das matrículas e com esse dinheiro, nós tentamos manter o instituto. É com esse dinheiro que remuneramos os professores e mantemos a estrutura. Nós estamos aprendendo como organizar, formatar, desenvolver os cursos e conteúdos, a forma de operação. No futuro, a intenção é multiplicar esse modelo em outros lugares, em que as empresas se interessem em investir em seus funcionários na área de educação familiar.
Como é a estrutura do instituto e como ele deve se perpetuar?
O instituto é uma organização sem fins lucrativos. Hoje eu presido o instituto e tem um diretor executivo que opera o dia a dia da organização, além de algumas pessoas do escritório que dão suporte ao projeto. O estatuto social prevê sucessão, conselho e todo o processo de governança de uma organização para que ela se perpetue. O instituto não é de uma pessoa, é de uma associação de pessoas.
Como esse aspecto da empresa familiarmente responsável se articula com a própria perenidade do grupo?
Eu tenho a crença de que não se constrói nada na vida, nenhuma empresa, nenhuma nação se não tivermos famílias sólidas. Se nós sonhamos com um Brasil forte no futuro, isso passa necessariamente por termos famílias sólidas. Há alguns anos consta no nosso relatório “Empresa familiar com família forte”. Isso significa acionistas familiares fortes, com engajamento ativo nos negócios. Trabalhando essa temática, a família empresária tem um papel muito importante para o desenvolvimento, mas também é o aspecto mais crítico para o desenvolvimento da empresa, pois, quando a família vive conflitos, toda a empresa sofre com isso e acaba entrando naquelas estatísticas de que somente 10% das empresas familiares chegam à terceira geração. Conflito familiar sempre vai ter, mas a não solução é que leva à destruição. Família forte é pré-requisito para um futuro de sucesso.
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