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TIPOS DE REMUNERAÇÃO NA EMPRESA FAMILIAR

Nem todos são iguais

Remunerar todos os herdeiros de uma empresa familiar da mesma maneira pode ser uma grande injustiça


Ao escrever a letra de Sampa, um dos maiores clássicos da música popular brasileira, o cantor e compositor Caetano Veloso ressaltou num determinado trecho “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Um reconhecimento à força do dinheiro nas sociedades modernas, algo que pode ser ainda mais devastador quando misturado aos aspectos emocionais de uma família empresária. Além de destruir um empreendimento de sucesso, pode desestruturar a família e tornar irmãos, filhos, netos, genros, noras e sobrinhos verdadeiros inimigos. Toda organização familiar se vê, num determinado momento de sua história, diante do desafio de formalizar a maneira de remunerar seus herdeiros e fazer com que todos os envolvidos saiam satisfeitos com a divisão do bolo. Essa não é uma equação fácil de ser resolvida. “Lidar com a questão da remuneração é algo muito delicado para qualquer família, pois o dinheiro tem muitos significados”, explica Renata Bernhoeft, sócia-diretora da höft bernhoeft & teixeira. “Ele pode ser compreendido pelos herdeiros como uma forma de reconhecimento, uma demonstração de afeto ou uma maneira de avaliar quem é o mais querido. Isso se choca com a premissa básica da família que parte do princípio de que todos os seus membros são iguais.”

No mundo dos negócios, ao contrário do universo familiar, tratar a todos igualmente pode se caracterizar como uma grande injustiça. Seria correto, por exemplo, remunerar da mesma maneira um presidente, um diretor e um gerente? Claro que não. Mas esse conceito lógico de meritocracia se torna extremamente complexo quando envolve pessoas com laços de parentesco. Se os mesmos personagens forem, por exemplo, três irmãos. “Muitas famílias usam o dinheiro como forma de criar um senso de justiça entre seus membros, no entanto podem estar sendo injustos.”, diz Renata. Se um dos familiares arregaçou as mangas e trabalhou duro poderá se sentir injustiçado ao ver que seu trabalho não mereceu uma contrapartida financeira correspondente. A única maneira de evitar que a remuneração dos herdeiros se torne um problema é discutir o tema objetivamente com todos os envolvidos e estabelecer regras claras registradas numa constituição familiar ou protocolo societário. Renata lembra que existem três formas de recompensa financeira: a remuneração pelo trabalho, a remuneração pelo capital e a complementação familiar, também conhecida como mesada.


As formas de remuneração

REMUNERAÇÃO PELO TRABALHO

É recebida pelo seu trabalho e pelos resultados que são trazidos para os negócios. Por exemplo: se o filho do fundador da organização ocupa o cargo de diretor-financeiro, como qualquer profissional ele receberia um salário mensal e remuneração variável ou bônus, quando estiverem claramente instituídos. Os valores dessa remuneração devem ser definidos de acordo com os padrões adotados pelo mercado para cargos similares e as diretrizes da política de remuneração da empresa, e não baseados no fato de a pessoa ser um membro da família ou herdeiro do negócio. Quando a família confunde a família com a empresa, tende a cair no erro de praticar uma remuneração irreal. É um erro aumentar o salário de um herdeiro porque ele vai se casar ou precisa comprar um carro novo, assim como não é certo escolher um sobrinho para assumir uma diretoria simplesmente porque ele faz parte da família. O debate de critérios para a entrada de familiares registrados num protocolo societário, aliado a uma política estruturada de cargos e salários, devem definir os passos para o ingresso de sócios e familiares nas empresas, os pré-requisitos para ocupar todas as funções e o perfil da pessoa para cada posição.

REMUNERAÇÃO PELO CAPITAL

É a remuneração do sócio e consiste na distribuição dos dividendos, portanto para recebê-la não basta ser herdeiro. Trata-se de uma participação nos lucros da empresa, que pode ser proporcional as participações societárias, e distribuída de acordo com a lei e diretrizes fixadas num acordo ou pacto de sócios. Os sócios que trabalham na empresa recebem tanto a remuneração pelo trabalho que realizam quanto os dividendos. Já aqueles que não ocupam cargos na companhia têm direito aos dividendos, que podem ou não ser pagos, dependendo do resultado financeiro. Portanto um sócio deve aprender a conviver com os altos e baixos do negócio, como acontece com qualquer investidor que adquire ações de uma companhia na Bolsa de Valores.

MESADA

Trata-se de um complemento de renda concedido aos membros da família para que possam manter um determinado padrão de vida. Pode ser concedida, por exemplo, como ajuda a um filho que deseja estudar, a um neto que precisa morar numa casa melhor ou até a alguém que opte por não realizar nenhum trabalho remunerado. A pessoa que recebe a mesada, no entanto, deve ter consciência de que esse recurso lhe permite ter um padrão de vida acima do que ela pode manter com o próprio trabalho. E que, caso a mesada seja suspensa, será preciso rever seu estilo de vida e o seu orçamento pessoal. A mesada não pode ser confundida com salário, bônus ou dividendos. Em tempo: esse dinheiro extra não deve sair do caixa da empresa, mas sim do bolso da própria família.

Bom exemplo

A remuneração dos familiares nunca foi tabu dentro da Randon, grupo de empresas com sede em Caxias do Sul (RS), que atua em setores como produção de veículos para transporte de carga terrestre como reboques e vagões ferroviários, autopeças, consórcio e banco. Na década passada, os cinco filhos do fundador, Raul Randon, se reuniram com os pais e definiram as regras para a remuneração dos herdeiros. “As decisões foram tomadas com a concordância de todos”, diz Alexandre Randon. Entre as resoluções tomadas está o pagamento da remuneração pelo capital, dividendos proporcionais a participação societária, numa única parcela anual, sempre no mês de abril. O protocolo prevê também que pelo menos 50% dos dividendos permaneçam na holding da família, para investimentos nas empresas. Determina ainda que a remuneração dos dividendos não pode ser inferior a 10% do lucro. “Está claro para todos os herdeiros que, em seu papel de acionistas, quando não há dividendos, não há remuneração”, afirma Randon.

Os cinco filhos de Raul Randon, três homens e duas mulheres, são acionistas, e apenas uma não trabalha diretamente no grupo. Roseli é médica e sua relação com as empresas é como membro do Conselho de Administração. David, por sua vez, foi eleito Diretor-Presidente do grupo, e Daniel comanda a FrasLe, uma das organizações da Randon. Já Maurien é diretora do Instituto Elisabetha Randon Pró-Educação e Cultura. Portanto, com exceção de Roseli, os demais recebem, além dos dividendos pagos em abril, remuneração mensal por desempenharem suas funções dentro da organização. Esta remuneração também foi objeto de debate entre os irmãos, para que houvesse a compreensão dos diferentes papéis, portanto cada um recebe de acordo com sua função e com parâmetros de mercado. Alexandre Randon diz que a terceira geração, não precisará ocupar cargos de liderança nas empresas do grupo. “Eles estão sendo preparados como acionistas”, afirma. “Eu não quero meus filhos ocupando cargos de Gerência ou de Diretoria. Eles podem até fazer estágio numa de nossas empresas para ganhar experiência, mas não se tornarem executivos. Como acionistas, receberão os dividendos e poderão seguir as carreiras para as quais têm vocação e talento.”

A Randon não adotou a prática de dar mesada para alguns membros da família. Criou, no entanto, um fundo para custear as despesas com a educação dos jovens da terceira geração, como com cursos de graduação, pós-graduação e MBA. O fundo pode ser utilizado também para ajuda financeira no caso de falecimento de algum dos herdeiros. Para Renata Bernhoeft, a Randon é um exemplo que deve ser seguido por outras empresas familiares que buscam a transparência da política de remuneração dos sócios. “Esse processo será mais bem-sucedido quanto mais os herdeiros compreenderem que olhar para a empresa com o espírito de investidores é sua principal contribuição, e não como funcionários que buscam apenas a segurança de uma remuneração fixa.”

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