por Renata Bernhoeft
A instituição família é uma das que vem vivendo grandes transformações ao longo dos últimos anos, com grandes reflexos sobre a cultura familiar, a base para a continuidade de uma família empresária.
Mas como se constrói uma cultura familiar? Mesclando elementos das histórias de seus antepassados, das famílias que lhe deram origem, adicionando experiências de vida e a influência do meio onde seus membros vivem e convivem. E dependendo de suas características culturais, uma família terá maiores ou menores chances de construir sua continuidade como uma família empresária.
E como o meio, de um modo ou outro, nos influencia, vale uma reflexão sobre alguns acontecimentos marcantes na história do futebol. O que podemos aprender com a seleção brasileira de 2014 sobre nossa cultura e nossa continuidade? Quais foram os valores que guiaram as ações de nosso grupo em sua trajetória, até o fatídico 7 a 1, e um amargo quarto lugar?
Parece claro que havia em nossa seleção um sentimento de superioridade já enraizado, como se, pelo fato de termos sido historicamente tão bons, tivéssemos nosso futuro garantido, algo muito parecido com o que ocorre em algumas famílias empresárias de sucesso, como se, pela sua tradição, sempre tivessem espaço reservado no pódio.
Havia também uma crença de que a força de nossas emoções, somada a garra e vontade de vencer, superaria qualquer técnica. Mesmo sem o devido preparo, poderíamos sair vencedores somente inspirados pela força dos pulmões da torcida ao cantar o hino nacional. Daqui certamente tiramos uma lição importante quando, como empresários, consideramos a premissa de tomar decisões fortemente influenciadas por emoções, ao invés de levarmos em conta fatos e dados.
Além disso, considerando os aspectos de trabalho em equipe e equilíbrio entre o brilho individual e o desafio coletivo, este foi o time que historicamente teve o mais breve tempo de preparo, integração e treinamento. A tranquilidade com que isso foi aceito, não apenas pela seleção, mas pela grande maioria da torcida, deixou clara nossa tendência ao imediatismo e ao resultado de curto prazo.
Mais uma lição se tira daqui: no esporte ou nos negócios, precisamos nos dar conta de que o preparo, o planejamento e a integração de nossa equipe é essencial para o momento de atuação. Ou ainda, nossa integração e preparação é fundamental para a continuidade.
Confirmando essa postura, vimos o que aconteceu 15 dias depois, quando sediamos também a RoboCup - Campeonato Mundial de Robótica. Uma das categorias incluía um jogo de futebol entre robôs, onde a Alemanha novamente venceu o Brasil, desta vez por 11 a 1. A disparidade é reflexo do abismo que separa nossos distintos estágios tecnológicos. Cada time poderia ser composto por dois robôs, mas o Brasil só conseguiu desenvolver um apto para a partida. Os dois alemães foram aprimorados por professores desde 2009, o robô brasileiro foi construído por universitários nos cinco meses anteriores à competição.
A comparação é pertinente e nos deixa uma questão: como nossa cultura impacta os processos de sucessão e continuidade? Será que, como famílias empresárias, estamos agindo da mesma forma que nossos ídolos? Para nossa perpetuação é importante saber que o mercado, assim como o futebol, já não oferece tanto espaço para a administração baseada somente na vontade de vencer, garra na hora do jogo e improviso. Cada vez mais precisamos de preparo técnico, estudo, análise, dedicação, pesquisa e desenvolvimento contínuo. As empresas que mais admiramos seguem padrões cada vez menos intuitivos, sem deixar de serem humanas ou emocionalmente sensíveis, porém com muita lógica em suas ações. Como nação temos heranças culturais diversas que podem parecer incompatíveis, porém merecem nosso devido reconhecimento. Podemos continuar sendo os detentores da arte e do jeitinho, mas precisamos levar em conta que, para a continuidade, eles precisam ser acompanhados de competência, treinamento, integração e seriedade.
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